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Sábado, Abril 20, 2024

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Associação de Agricultores de Montemor-o-Novo reage a livro de José Rodrigues dos Santos com carta aberta!

O jornalista José Rodrigues dos Santos lançou recentemente um novo livro o que motivou descontentamento na Associação Portuguesa de Criadores de Bovinos da Raça Charolesa, sedeada em Montemor-o-Novo.

Esta associação, através do seu presidente, João Camejo, emitiu entretanto uma Carta aberta respondendo ao Pivot José Rodrigues dos Santos, a propósito da sua comparação dos campos de concentração de Auschwitz e os Gulagaos matadouros nacionais nos quais se abatem os animais .

Transcrevemos na íntegra a carta aberta agora divulgada:

“Exmo. Sr. José Rodrigues dos Santos,

Escrevo-lhe esta carta na esperança de a mesma o encontrar bem de saúde e no momento em que acabei de ver o vídeo da sua entrevista à rádio Observador.

Sou médico veterinário de profissão, ligado à produção animal, nomeadamente às espécies bovina e suína. Sou ainda o presidente da direção da Associação Portuguesa de Criadores de Bovinos de Raça Charolesa.

Eu e todos os que trabalhamos diariamente no campo e em contato com os animais, de uma forma apaixonada, não pudemos ficar indiferentes ao retrato macabro que fez daquilo que é o nosso dia-a-dia.

Numa época em que a grande maioria da população vive em meio urbano e desconhece o mundo rural e ainda mais a produção animal, aparece alguém, do alto da sua imagem de credibilidade, a quem é dado palco, sem direito a contraditório. De repente, este aparenta ser o maior especialista na área, mesmo que esteja a dizer barbaridades enormes, que, pasme-se, estão contidas num livro que tem à venda neste momento!! Sr. JRS, deixe-me dizer-lhe que não vale tudo para tentar ganhar dinheiro e os sites sensacionalista e as redes sociais podem não ser a melhor fonte de informação. Denegrir todo um setor tão digno e a quem o país tanto deve, demonstra uma falta de sensibilidade enorme da sua parte e explico porquê:

– comparar a morte de milhões de humanos com a morte de animais? Isto não é demagogia? Será que o Sr. JRS compara o valor da vida de um judeu com a de um animal? Surpreende-se que haja pessoas que se chocam com o holocausto mas aceitam matadouros? Como é possível fazer esta comparação e manter uma cara séria? Sabe que a domesticação dos animais foi uma importante conquista da humanidade? Sabe que desde essa altura o Homem fornece alimento, abrigo e proteção aos animais em troca de alimento, vestuário, fertilizantes, etc? Deixe-me relembrar que não vamos à selva capturar animais para produzir carne, pelo contrário, o habitat natural destas espécies é a instalação pecuária. Eu não trabalho num campo de concentração. Depois refere que podemos comer menos carne. Não há contradição? Então podemos matar alguns animais, sem problema? Se forem poucos já não se compara ao holocausto? Seguindo o raciocínio e comparação proposta, aceitaríamos um Auschwitz desde que fossem mortos poucos judeus!

– afirmar que a pecuária é A PRINCIPAL CAUSA das alterações climáticas. Vindo de alguém que diz, com cara séria, que estudou o assunto?? É comum ver afirmações destas vindas de pessoas que vivem nas e das redes sociais, mas como é possível dizer isto numa rádio e não ser corrigido? Mesmo os primeiros números do relatório da ONU, que foram depois revistos por terem erros grosseiros nos cálculos, não apontavam para nada parecido com isso. Neste momento, a emissão de gases estufa por atividade agrícola é apontada como sendo pouco mais de 10%, sendo que a pecuária será responsável por cerca de 65% desse valor. E isto sem descontar o que deveria ser subtraído devido ao sequestro de carbono que ocorre nas pastagens, mas, possivelmente, a referência a este facto científico, vai-lhe tirar alguns likes. Tem o senhor o desplante de dizer que os combustíveis fósseis afinal não são tão importantes, quando a queima destes, no carro e nos aviões por exemplo, é responsável pela emissão de mais de 50% dos gases com efeito de estufa????

– só poderá ter sido esquecimento e não desconhecimento, a não referência do facto de uma das maiores emissões de metano ser a prospecção, transporte e transformação do gás natural que é usado para aquecer as nossas casas, acontece!

– Quanto à sua sugestão de que a produção exclusiva de vegetais resolveria o problema das alterações climáticas. Será que o Sr. JRS sabe que a produção de arroz também leva à emissão de imenso metano? E saberá também que não é possível alimentar a população mundial apenas com a produção agrícola de vegetais porque apenas 30% das terras são suficientemente férteis? Saiba que, tradicionalmente, as terras usadas para a produção animal (montanhas, zonas áridas?) não servem para a produção hortícola ou cerealífera, já que apenas os ruminantes e outros animais conseguem transformar o que aí cresce em nutrientes aproveitáveis pelos humanos. Vários estudos indicam que a eliminação da produção animal e a  sua substituição por vegetais para consumo humanos teria duas consequências: 1) necessidade de desflorestação (que levaria a menor sequestro de carbono), ocupação de mais terras com agricultura intensiva e muito maior uso de fertilizantes químicos (mais poluição); 2) impossibilidade de alimentar a população de 8 mil milhões de pessoas, ou pelo menos aquelas dos países menos desenvolvidos, áridos, de montanha etc? Ou seja, é fácil culpar certas actividades mas sem pensar no que virá para as substituir. O Sr. JRS provavelmente pensa que ao substituir a produção animal por produção vegetal exclusiva, elimina todos os inconvenientes da primeira e mantém inalterados os impactos da segunda!!! Ou a sua próxima obra literária virá mostrar como todos poderemos viver em jejum?

– afirmar que a desflorestação da Amazónia ocorre SÓ devido ao aumento da produção pecuária. É mentira! Bem sei que uma mentira repetida muitas vezes, como é este caso, começa a parecer verdade, mas os factos são o que são. Grande parte da desflorestação faz-se para a pesquisa de minérios, madeira e para a produção de soja (muito apreciada por vegetarianos e que, não sei porquê, não tem a publicidade negativa que deveria ter e que se dá quase exclusivamente à carne). É preciso travar a desflorestação, mas uma das outras maiores causas é, por exemplo, a produção de óleo de palma. Referiu isso? Claro que não? não estava na agenda, depois mantém-se a questão dos likes, os livros para vender… 

– O Sr. JRS refere o facto de apenas 3% dos vertebrados serem espécies selvagens. E como é que a produção pecuária é a responsável? Não será antes devido à destruição dos habitats, drenagens, ocupação de áreas com cidades, estradas e cimento? E campos de golfe e estâncias turísticas etc? etc? etc? Será que a ocupação de enormes áreas para a produção de vegetais de forma intensiva (azeite, óleo de palma, amêndoa, trigo?), não terá também levado à perda de habitats para esses vertebrados selvagens? E porque não referiu a importância da manutenção dos ruminantes domésticos para a preservação da biodiversidade, controlo de infestantes, prevenção de incêndios, adubação natural dos solos?? Que pensamento redutor e demonstrativo de ignorância. Saiba que a verdadeira razão para os  3% que referiu é a necessidade de alimentar e arranjar espaço para uma população humana a crescer para os 10 mil milhões e não a troca de animais selvagens por animais de produção.

Isto, Sr. JRS, é falar dos factos como eles são. É pena que aos verdadeiros conhecedores dos mesmos não seja dado o mesmo protagonismo e “tempo de antena” que dão a si e outras figuras públicas e que estes acabem por apenas ser ouvidos em programas cinzentos nos domingos à tarde na RTP2 (ou equivalente).

Não digo nem penso que a produção animal seja um mundo perfeito, digo sim que pode e deve evoluir no sentido da sustentabilidade e bem-estar animal. Se há explorações pecuárias ou matadouros que não cumprem as regras, que sejam punidos e obrigados a respeitar as normas e, por conseguinte, os seus animais.

Será um prazer abrir as portas das nossas explorações pecuárias, não a si que já sabe tudo, mas a quem queira, efetivamente, conhecer o que lá se passa e contribuir, ao lado dos agricultores, para uma aproximação dos mundos rural e urbano.

Cumprimentos,

João Camejo”

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