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Quinta-feira, Março 28, 2024

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Em Beja, a comunidade cigana “está encostada ali”, declara AMEC (c/som)

Beja é o distrito que acolhe a maior densidade populacional da comunidade cigana, ou seja, mais indivíduos relativamente à população geral. Recentemente foram lançados dados que apontam para o dobro de indivíduos desta comunidade, residente no concelho alentejano, face aos oficialmente registados.

Prudêncio Canhoto, Mediador Municipal de Beja, da Associação de Mediadores Ciganos de Portugal (AMEC), falou com a Rádio Campanário, sobre a realidade vivida pela comunidade cigana, no concelho de Beja.

Os dados oficialmente divulgados pela Segurança Social, através do ACM, não estavam, no seu parecer, corretos. Procedeu então à realização de “um levantamento do concelho de Beja, para ver quantos ciganos havia”, deparando-se com 1106 indivíduos de etnia cigana, distribuídos por cerca de 5 acampamentos, ao invés dos 650 indivíduos contabilizados nos estudos.

Ambiciona expandir o seu estudo, quando tiver possibilidade para tal, a todo o distrito de Beja e a toda a região alentejana.

Verificando bastante discriminação para com a sua comunidade, Prudêncio Canhoto, lamenta que haja “muita pessoa que fala da comunidade cigana, sem terem noção”.

Declara que existem vários membros da sua comunidade “a viver em péssimas condições”.

Os bairros sociais cedidos pelo município de Beja, encontram-se esgotados na sua totalidade, havendo cerca de 350 pessoas distribuídas pelas 50 casas disponibilizadas.

A criação destes bairros, gera também um certo nível de discriminação, ao concentrar toda a comunidade cigana no mesmo local, e afastada da população em geral, considera.

“Muitas vezes vão à procura de arrendamento, e por serem ciganos”, não o conseguem obter, vendo-se obrigados à construção de acampamentos.

“Fui dar com acampamentos, onde há pessoas que têm filhos à escola, e não têm pinga de água” em casa, para beber ou para a higiene, encontrando-a apenas a cerca de 3kms de distância.

Lamentando o facto de as pessoas que não o conhecem não lhe darem valor, simplesmente devido à sua etnia, confessa que “não é fácil ser cigano”.

A generalização e o preconceito, considera, estão na origem desta discriminação. “O grande problema é porem tudo no mesmo saco, porque dentro da comunidade cigana há de tudo um pouco”, há quem faça o mal, mas também existe quem faça o bem.

Confessando que “às vezes até dá vontade de desistir”, o Mediador Municipal de Beja da AMEC, convida as pessoas a ir ao terreno, conhecer as pessoas e a sua realidade, revelando que existem, “neste momento, pessoas da nossa comunidade que passam fome”.

Contudo, ao nível da escolaridade, no concelho de Beja, têm-se vindo a registar mudanças positivas.

Enquanto há cinco anos, ninguém na comunidade cigana tinha o 9º ano de escolaridade. Existem agora cerca de 15 adolescentes ciganos a concluir o 9º ano, existem cerca de 10 adolescentes de etnia cigana com o 12º ano, e outros tantos a concluí-lo.

Estas mudanças chegaram ao nível cultural, com as raparigas a prosseguirem os estudos após o casamento, quando antigamente abandonavam os estudos antes de chegarem ao 9º ano.

Nesta área sim, Prudêncio Canhoto pode afirmar que, “as coisas estão a melhorar um pouco”.

Após concluírem os estudos, contudo, os jovens adultos de etnia cigana vêm-se confinados a uma sucessão de cursos do Estado, devido à discriminação sentida também ao nível da empregabilidade.

Prudêncio Canhoto conta que os membros da comunidade cigana “vão à procura de trabalho, e ninguém lhes dá trabalho por serem ciganos, isto é grave”. Os órgãos municipais apresentam-se, como as únicas entidades empregadoras dos membros da comunidade cigana.

Realça a urgência de se insurgir alguém que diga “nós vamos ajudar esta comunidade, porque esta comunidade precisa de ser ajudada. Vamos lá dar-lhe aqui algumas garantias para que assim possa haver mudança”.

Apesar de haver um consenso geral de que a população cigana vive bem, e acomodada com os apoios do Estado, querendo apenas direitos e ignorando os deveres, Prudêncio Canhoto defende que, “havendo oportunidade, eles querem mudar”.

Estudos feitos no início da década de 90, contabilizaram quase 500 famílias de etnia cigana a residir no Alentejo, sendo que aproximadamente 2500 indivíduos ciganos foram registados no distrito de Beja, mais de 1500 no distrito de Portalegre, e perto de 1400 no distrito de Évora. 

Depois das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, o Alentejo é a zona do país onde existe maior percentagem de população cigana, entre a população total.

Há 20 anos que existe o RMG, Rendimento Mínimo Garantido, agora denominado de RSI, Rendimento Social de Inserção, numa tentativa de terminar a pobreza declarada da comunidade cigana, que se apresenta sem rendimentos nem meios próprios de subsistência.

Depois de séculos de tentativas, por parte dos povos residentes, de expulsar as comunidades ciganas dos seus territórios, estas são agora direcionadas para a integração das mesmas, tendo -se vindo a registar mudanças sociais e comportamentais dos dois lados da história. Por um lado, as comunidades ciganas abondaram os seus comportamentos criminosos e fraudulentos, assim como a sua vida nómada. Também as comunidades locais têm vindo a alterar a sua mentalidade para com as famílias de etnia cigana.

A sociedade encontra-se, contudo, muito longe da integração total da comunidade cigana na sua população geral, “para que assim possa haver aqui um pé de igualdade”, como objetiva a Associação de Mediadores Ciganos de Portugal.

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