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Terça-feira, Abril 30, 2024

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“Não nos marginalizem, se nos vir à beira da estrada pare e pergunte se temos água…”, oiça o testemunho à RC de um português de curso internacional (c/som)

Frederico Sousa, motorista de curso internacional, residente na Batalha, deu o seu testemunho à RC sobre como tem vivido os últimos tempos a nível profissional devido à pandemia COVID-19.

“O panorama mundial está a mudar e os nossos costumes também, nós motoristas, de um modo geral, sempre fomos muito habituados a ser odiados e amados. Mas hoje quero alertar toda a gente para o seguinte, nós também temos família”, começa por dizer.

O motorista de 41 anos conta que toma todas as precauções necessárias sempre que sai em trabalho, “ando a fazer viagens para zonas que estão muito expostas ao vírus como Barcelona e Bergamo e neste momento o que me preocupa é a minha família e tenho de tomar alguns cuidados para não trazer o vírus para dentro de minha casa”.

Frederico refere que todos os cuidados são poucos, mas que dentro do seu camião tem “um ambiente estéril, tenho cuidados como usar máscaras, luvas, não entrar com o calçado da rua para dentro do camião, tento não levar nada do exterior lá para dentro sem que meta uma solução alcoólica”.

Refere que faz a sua própria quarentena dentro do camião, desde o momento que deixa o cliente até ao momento em que chega a Portugal, viagem que habitualmente tem uma duração entre três a quatro dias, “tempo que a DGS diz que 90% dos casos se notam nesse período de dias. Mas tenho colegas de viagens mais curtas e que não tocam na família há mais de 17 ou 18 dias, porque têm o cuidado de chegarem a casa e ficarem isolados”.

Relativamente às dificuldades sentidas no exercício da sua profissão, conta que está a ser muito complicado. “Abastecer é extremamente complicado, não o conseguimos fazer no estrangeiro porque os camiões não vão aos centros da cidade onde, eventualmente, poderá haver algo aberto e ao longo das autoestradas e vias rápidas está tudo encerrado. Em Portugal, a dificuldade que temos é o egoísmo das pessoas que levam tudo”. O motorista refere a falta de sensibilidade das pessoas que não entendem que estes trabalhadores não têm “um espaço com grande capacidade para guardar um grande volume”.

Para Frederico esta é a maior dificuldade sentida, a segunda é a falta de espaços para a fazer a sua higiene pessoal, “ao longo dos anos de camionista nunca estive tanto tempo sem tomar banho como nesta viagem, sete dias seguidos. Limpei-me com toalhetes de bebé porque não havia sítio para tomar um duche, não há uma casa de banho para fazer necessidades, nunca tive de utilizar tanto o mato para as fazer. Está tudo fechado e nós temos que fazer o básico, parecemos animais”.

Atualmente os motoristas estão a sentir grandes dificuldades pois a maioria dos espaços encontram-se fechados e é difícil arranjar comida ou até mesmo uma garrafa de água, como nos conta “precisamos de um sítio para comprar uma baguete de pão e não há, estávamos habituados a chegar a Espanha e parar nas áreas de serviço e havia o que comer. Agora estamos a passar imensas dificuldades, passamos entre 10 a 12 dias fora de casa e não temos capacidade para aglomerar comida dentro de um camião”.

O motorista faz um apelo às pessoas, “Não marginalizem os camionistas, nós temos cuidados, não somos irresponsáveis. Se nos vir à beira da estrada, a fazer um descanso, e se no vosso carro tiverem mais qualquer coisa do que aquilo que precisam, perguntem se precisamos de água ou de algo mais”.

Durante os seus percursos, Frederico diz que nota a existência de um distanciamento social um pouco por todo o lado, “já se nota esse pânico, mas que acaba por ser saudável porque faz com que as pessoas não se cruzem e não haja o contacto social”. No entanto, lamenta que ainda nem toda a gente entenda gravidade da situação e que não se preocupe com isso, conta que num momento em que foi ao exterior da sua habitação viu “pessoas a cumprimentarem-se como se nada se passasse e isso é inadmissível. Se eu chegar à minha empresa com 40 a 50 motoristas e fizer exatamente igual, não preciso de dizer aquilo que vai acontecer se eu estiver infetado, são 40 a 50 camiões que vão parar”.

Termina pedindo a toda a população que “esqueçam as beijocas matinais com o vizinho do lado, esqueçam o jogar às cartas no domingo à tarde, irão ter o resto da vida para isso, mas não o façam agora, porque se o fizerem talvez não possam vir a ter o resto da vida”.

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