Fernando Matos Silva, cineasta nascido em Vila Viçosa em 1940, mas que viveu grande parte da sua vida em Lisboa, encontrou nas suas memórias de infância do Alentejo a inspiração para uma obra cinematográfica. Após um período de interregno na realização de longas-metragens, que se estendeu por doze anos após os desafios enfrentados com a produção de “Guerra do Mirandum” e o revés financeiro ligado ao projeto Filmecentro, Fernando Silva regressou às telas em 1993 com “Ao Sul”. Este marco foi apenas o início de uma fase em que o realizador se dedicou a capturar a essência do Alentejo, abordando-o sob diversas perspetivas nos seus trabalhos subsequentes.
Desde “Alentejo, As Quatro Estações” até “O Meu Avô Republicano”, filmado na aldeia da luz, passando por outras obras ficcionais e documentais, o Alentejo tornou-se o palco central da sua narrativa. A série “O Espírito do Lugar”, um projeto encomendado pela RTP sob a direção de Fernando Lopes, foi um dos pontos altos do seu caminho, proporcionando um dos retratos mais ricos e detalhados da paisagem alentejana, comparável à magnificência de “O Pão”, de Manoel de Oliveira.
A câmara do cineasta, guiada por uma banda sonora repleta de elementos da música tradicional alentejana, percorre a região seguindo o ritmo das estações do ano, captando não só a beleza natural mas também as tradições, a cultura e a história que definem este território. “Alentejo, As Quatro Estações” destaca-se pela sua abordagem quase sinfónica à paisagem alentejana, explorando desde as práticas ancestrais da primavera às expressões artísticas do verão, passando pela reflexão sobre a decadência das civilizações no outono, até às celebrações da vida no inverno.
A narração, a cargo de Armando Baptista-Bastos, oferece um comentário que tanto realça como questiona as imagens, criando um diálogo entre o visual e o textual que enriquece a experiência cinematográfica. Esta tensão entre a representação pictórica da região e a realidade concreta das suas gentes e paisagens serve de base para uma exploração profunda do “espírito do lugar”.
Com a evolução tecnológica e a transição da película para o vídeo nos anos 90, Silva adaptou-se, explorando novas formas de produção que resultaram numa alteração estética notável. Esta mudança é evidente em trabalhos como “E Neste Nada Cabe Tudo – Sobre João Cutileiro”, onde a câmara ao ombro e o uso criativo de técnicas de edição permitiram uma abordagem mais dinâmica e íntima do tema.
A relação de Silva com João Cutileiro, evidente na exclusividade dada ao escultor em “Alentejo, As Quatro Estações” e explorada mais profundamente em “E Neste Nada Cabe Tudo”, ilustra uma amizade e uma colaboração que transcende o mero ato de filmar, revelando um diálogo contínuo entre duas formas de arte.
O legado de Fernando Matos Silva, portanto, não se limita apenas à sua capacidade de capturar a essência do Alentejo através da lente cinematográfica, mas também à sua habilidade em adaptar-se e explorar as mudanças tecnológicas e estéticas ao longo de sua carreira, mantendo sempre o Alentejo no coração de sua obra.
O realizador, frequentou na década de 60 a London Film School. Assinou em 1973 O Mal Amado, longa-metragem proibida integralmente pela censura, até ao 25 de Abril de 1974 após o que foi galardoada com o Prémio da Imprensa – Cinema (1974). O Rapaz do Trapézio Voador (2002).
Foto: JACK BACK PACK